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Capítulo 1º
1 Agora nós (plural majestático) vamos criar o vaga-lume!
Plim!
2 Agora vamos criar a minha partícula (que um dia será
usurpada e chamada de Bóson de Higgs)! PirlimPlimPlim!
3 Agora vamos criar o barro! Ploft!
4 Ontem criaremos, quer dizer, amanhã criamos, melhor,
hoje estaremos criando o tempo! Tic! Tac! Trim!
5 Depois do tempo, crie-se o tempo antes do tempo, ou
seja, a previsão do tempo! Plim, plim!
6 Estamos pensando em criar algo desse barro, mas antes
vamos criar o espelho para conhecer nossa imagem. Click!
7 Já fizemos a água? Não? Oxe! Então que jorre por todo
canto! Doce, salgada, salobra, Evian, Indaiá... Chuá! Chuá! Glub! Glub!
8 Vamos criar umas coisas cheias de folhas que serão
chamadas árvres, ávres, ávires, ávores, évoras, órvares, não, árvores. Isso!
9 E o céu já tem? Não, né? Ô, menino, chama Van Gogh aí
pra pintar um céu estrelado! Starry, starry night, paint your palette blue and
grey...
10 Notamos que o vaga-lume não estava acendendo porque
ainda não criamos a luz. Cáspite! Faça-se a luz nessa zorra! Fontes de luz no
modo on!
11 Vamos moldar o barro e fazer algo de útil e
interessante... ah, uma moringa, um caboré, uma bilha, um mealheiro, um
cachepot, um cuscuzeiro... um tijolo... uma telha...
12 Que maçada! Os vasos de barro não ficaram cozidos...
Faltou fogo! Ô, inteligência, cria o fogo antes, não é? E bambambã caixa de
fósfo, fogo!
13 Ih, precisamos colocar todas essas coisas feitas até
agora em algum lugar...hum...Faça-se o Kentucky! (plano, na forma de um
frisbee) Amém? Yeah!
14 Fizemos o ar? Não? Por isso estávamos nos sentindo
sufocados! E o fogo não acendia...Que se insuflem os ventos, as atmosferas, os
gases nobres e plebeus!
15 Cremos ser imperativo criar uma cobra com aparelho
fonador e adequada loquacidade para deixarmos de lado esse solilóquio
alucinatório...Zap! Oi! Hem? Psiu!
16 Voltamos a moldar o barro para criar algo parecido
conosco...Uma olhadinha no espelho...Muito complicado.
17 Deixa pra lá! Façamos o homem, então, como molde
preliminar. Chamar-se-á Teágenes Heliodoro!
18 Incumbamos a cobra de travar diálogos com esse homem.
Ele me parece meio leso. 19 A cobra disse que Helinho anda sorumbático, sem
muito estímulo, sentindo um vazio existencial.
20 Geninho Heliodoro continua triste. Vamos criar algo
que haverá de servir para dar sentido à sua existência: a cerveja artesanal!
Glub! Glub! Aaaah! Blurp! Hic!
21 Vamos tirar uma costelinha aqui desse Heliodoro e
fazer... fazer o quê com uma costela? Ideia mais besta... 22 Devolva-se a
costela! Enfiemo-la aí entre as pernas de Te-odorinho. Há de servir para algum
propósito. Ele descobrirá.
23 Já fizemos o homem. Agora, aproveitando esse embalo,
vamos criar... o macaco. Coloquemos umas escamas nele pra Darwin não ficar
inventando histórias...
24 A cobra volta a se queixar que o homem está enchendo
o, por assim dizer, saco dela com lamúrias de que está faltando algo que ele
não sabe definir, mas que deve ser um algo palpável e apalpável. 25 E que
Heliodoro anda brincando muito com a costelinha que lhe implantamos. Grande
novidade!
26 Moldaremos o barro novamente para obter uma criatura
semelhante a Heliodoro, que irá lhe fazer companhia e acabar com as queixas na
ouvidoria: eis Apolônio!
27 A cobra ficou meio incrédula e deu um riso sarcástico
quando lhe dissemos que iríamos passar o dia compondo a 5ª Sinfonia de
Beethoven. Receba: tchã tchã tchã tchãããã!
28 Cansamos de plural majestático... Agora sou EU! Eu,
eu, eu. Eu sou aquele que está; eu estou aquele que é (o que quer que isso
signifique).
29 Vou criar palavras que se referirão à minha humilde
pessoa: glória, divino, poderoso, onipotente, altíssimo, superlativíssimo, o
cara... taí, gostei! Pronto: falei!
(Fim do Capítulo 1º)
Capítulo 2º
1 Hoje estou entretido criando verrugas, furúnculos e caroços diversos.
2 Acho que vou colocar uns mamilos em Heliodoro e Apolônio. Just in case.
3 A cobra veio dizer que não ia nem dizer o que Dodó (Heliodoro) e
Apolônio (Popó) estão aprontando em libidinagens mútuas. Cobra ciumenta e
fofoqueira!
4 Vou criar a chuva, a frente fria vinda da Argentina, a neve e o
granizo para atingir Popó e Dodó e ver se aquietam um pouco o facho. 5 Assim
essa cobra vai parar de me importunar a toda hora.
6 Estou achando divertido criar as bactérias... Acabei de gerar, de uma
tacada só, os bacilos da tuberculose, lepra, tétano e botulismo. Que beleza!
7 A infeliz da cobra veio alcaguetar que o frio só fez incentivar o
aconchego da dupla Dodó e Popó; que agora estão tomando cerveja gelada. Vou
fazer o quê?
8 As árvores estão lá no Kentucky todas paradonas sem saber direito o
que fazer no dia a dia. 9 Vou ensiná-las a fazer fotossíntese para acabar com o
ócio improdutivo. Tudo eu, tudo eu...
10 Fiquei curioso e fui lá no Kentucky dar uma espiada no comportamento
de Dodó e Popó. 11 Pareceu-me que eles estavam inocentemente brincando de
Escravos de Jó, jogando caxangá, tirando e botando, deixando o zabelê ficar e
fazendo zigue zigue zá. Essa cobra, hum, sei não...
13 Para confrontar as fake news da cobra, criarei o fact checking!
14 Estou questionando se devo ou não manter o livre-arbítrio desses
seres que criei... e se devo deixar as coisas ao acaso...ou estabelecer um
destino...interferir...15 Mas ficar manipulando tudo e todos todo o tempo não é
uma opção aceitável: fica enfadonho, gera consequências em cadeia 16 e, além
disso, eu não sou maluco e tenho mais o que fazer e mais o que descansar depois
de toda essa trabalheira criativa. 17 Então, que se virem! Não quero ser
responsabilizado pelo que fizerem. 18 E não vou ficar controlando o momento que
a folha cai da árvore coisa nenhuma. Imagine...
19 Vou passar o dia criando umas doencinhas para tirar aquele pessoal do
Kentucky da zona de conforto 20 e para eles se lembrarem de mim e ficarem
pedindo curas milagrosas. 21 Não posso negar que gosto de algumas súplicas
acompanhadas de muitos elogios. 22 Cura para a gripe, sarampo, catapora,
papeira, resfriado, eu até vou possibilitar. 23 Mas para o vírus da raiva, ah,
não vai ter reza que dê jeito... Pois é, o jogo é duro!
24 É vem a cobra...Reclamando que os homens lá no Kentucky só falam
entre si e não mais com ela, que está com teia de aranha na boca e só engolindo
sapos (literalmente)... 25 Quer companhia e alguém pra conversar. Vou pensar no
seu caso.
26 Já que não consigo criar seres parecidos comigo do nada (espelho,
espelho meu...), pegarei uns furacões, uns vulcões, uns raios, uns trovões 27 e
finalmente mesclarei, esculpirei, sugarei, lamberei, soprarei, um doce,
cândido, cordato e pacífico ser: a mulher. Uau! Vixe! Eparrê!
(Fim do Capítulo 2º)
Capítulo 3º
5 Hoje criarei rochas diversas. 6 Primeiro vou providenciar uma erupção
vulcânica explosiva pliniana 7 e, em seguida, criarei o basalto, o granito, a
pedra-pomes, as pedras de fogo para jogar capitão e usar no badogue, a ardósia,
o mármore, pedras para apedrejamento... 8 Se bobear, criarei até as pedras dos
rins e da vesícula.
9 Antes de enviar a linda Afro para o Kentucky, mandarei a cobra
explicar a ela que não deverá comer os cogumelos alucinógenos, 10 claramente
reconhecíveis por terem, em cima de cada, uma joaninha (já criei) dando
cambalhotas.
11 Fui informado pelo réptil falante que os homens e a mulher estão
reclamando que não têm umbigo. 12 E daí? Eu também não tenho! 13 Quem falou de
umbigo pra eles, afinal? 14 Não tiveram placenta, como é que querem umbigo? 15
Fiz todos com barriga de tanquinho e ainda reclamam... Putz! É difícil!
16 E agora querem saber o sentido da vida... Que mané sentido, rapaz! 17
Qual o sentido de uma montanha? Tem esse negócio de sentido não! 18 Já não lhes
dei a cerveja?Já não é o bastante existir? A existência não é suficiente para
se ter noção de importância? 19 Vocês acham que eu fico me perguntando qual o
meu sentido? EU SOU e pronto. Punto e basta!
20 Olhem essa: a cobra veio dizer que a mulher está reclamando das
condições higiênicas no Kentucky 21 e quer que eu crie a privada com descarga,
o papel higiênico e o absorvente íntimo, pra início de conversa... 22 Como é
que é? Não vou dar nem resposta.
23 Hoje vou me dedicar à criação de ovos e ovas para gerar seres
rastejantes, nadantes, voadores e a galinha - a ave caminhante e ciscante cujo
surgimento a todos intrigará quanto a ter tido ou não a precedência do ovo. 24
Mas eu saberei o que veio primeiro e rirei dos aturdidos.
25 Estou precisando aparar os cabelos... Para que os tenho mesmo? 26 E
essas unhas?... Sei não... Tem cada coisa meio injustificável... 27 Quem me
terá feito assim? Fico intrigado. 28 Deixa pra lá! Eu e a criação somos um work
in progress.
(Fim do Capítulo 3º)
Capítulo 4º
1 Pedirei à rastejante e serpenteante criatura que diga àquele pessoal
lá do Kentucky que ainda estou decidindo de que forma os próximos ovos serão
fertilizados. 2 Portanto, nada de precipitações nem de soluções criativas sem o
meu aval. 3 Mas pode ir adiantando para a galinha que ela tem um orifício
multifuncional.
4 Notícias com origens ofídicas dão conta que Afro Dita (Frodi) estava
sofrendo bullying de Dodó e Popó pelo fato de ela não ter pênis. 5 Isso me
revela, por um lado, que eles dois não sabem o que fazer com uma mulher 6 e,
por outro, que os homens gostam mesmo é de ficar enturmados com outros homens.
7 Frodi, a mulher, continua reclamando. Não se conforma com a
menstruação. 8 Disse à serpente que se eu elaborasse um design realmente
inteligente e elegante para sinalizar ausência de gravidez, 9 teria instalado no
lugar do umbigo um pequeno LED ou uma concentração de pixels acesos por
estímulo neuroquímico e não essa sangria desatada nas partes.
10 Hoje (que dia é hoje? Ainda não criei o calendário... O tempo na
minha esfera não pode ter como referência o ciclo do sol em torno daquela
superfície plana chamada Kentucky) 11 passarei momentos criando parasitas -
seres que vivem à custa de outras espécies, só espoliando o hospedeiro. 12
Então lá vai: vermes, protozoários, pulgas, ácaros (não esquecer do chato,
importantíssimo). 13 Eu tenho ideias geniais.
14 Ah, o inevitável... a cobra deixou Frodi curiosa sobre que efeitos
teriam os cogumelos alucinógenos. 15 E ainda sugeriu misturar em infusão com
catuaba. 16 Frodi tomou e deu para os homens: e aí deu para os homens. 17 Um
duradouro ménage à trois com múltiplas variações sobre o mesmo tema e sobre
temas distintos. 18 Vi tudo aqui no telão.
19 Long story short, 20 Frodi engravidou, 21 não sabia quem era o pai,
óbvio, 22 morreu no parto, 23 nasceram sêxtuplos, metade de cada
sexo, 24 Dodó e Popó deixaram as crianças aos cuidados da cobra, sumiram, 25 as
crianças cresceram, 26 incesto comeu no centro, 27 multiplicaram-se
malthusianamente, espalharam-se pelo Kentucky, 28 alguns caíram no abismo da
borda da terra plana, 29 começou a faltar comida, 30 passaram a comer-se, quer
dizer, devorar-se, 31 comeram a cobra. 32 Perdeu a graça. 33 Deprimi. 34 Dei um
select all seguido de um shift + del.
36 Agora vou dar um tempo e espaço para um big bang (ou vários) e sumir
de cena.
(Fim da criação e de mim)
Publicado homeopaticamente no Facebook com a seguinte chamada:
SÉRIE VERSÍCULOS DO GÊNESIS
(Todo dia um átimo da criação de tudo - acompanhe aqui)