Era 1° de abril de 1964 (verdadeiro dia do golpe) ou pode ter sido no dia seguinte ou dias depois. Eu ainda ia completar 7 anos dali a um mês. Cursava o 2° ano primário, na cidade de Nazaré-Ba.
Por conta de problemas estruturais no prédio histórico da minha escola, que ameaçava ruir (e que acabou sendo demolido por ignorância), a minha sala fora transferida para as dependências do Tiro de Guerra, que ficava no térreo da Prefeitura Municipal.
Por volta das 13:00h eu me dirigia normalmente para a aula, subi a escadaria da Prefeitura e vi uma movimentação estranha, alguns soldados de uniforme verde postados nas entradas. Ainda assim segui meu rumo para ter acesso à minha sala de aula, quando um desses soldados portando uma metralhadora sustentada por uma alça sobre o ombro se interpôs no meu caminho e colocou o cano da arma bem no meu nariz.
A surpresa e o pavor que se apossaram de mim só eram superados pela percepção de que o cano da arma era frio, muito frio. Um frio que ainda sinto quando me reporto a esse momento. Não sei quanto tempo durou aquele contato. Lembro vagamente de ter dito ao soldado que eu ia pra aula (como se a minha indumentária já não revelasse suficientemente) e de ter ouvido em resposta algo como “não vai ter aula mais não”, sem retirar o cano que encostava em minha face.
Saí dali cabisbaixo, atordoado, com medo de ser preso, de estar cometendo alguma infração, com medo de chegar em casa e ser acusado de estar filando aula, com medo de ser perseguido pelo soldado, com medo de tomar um tiro pelas costas, com medo, enfim…
Esse foi o meu primeiro contato com o Golpe Militar de 1964. Ainda tenho medo. Mas minha ingenuidade acabou quando tocada pela frieza daquele cano de metralhadora.
Não pude reagir à época. Nos anos subsequentes, além de participação numas greves, assembleias, passeatas e comícios, composição de paródias contra o regime, pouco fiz para lutar contra a ditadura militar que durou 21 anos da minha vida. Agora estou velho, mas não velho demais para dizer aos filhos da puta que querem reviver um golpe militar em meu país, que se eu pressentir a ameaça do frio de um cano de metralhadora no nariz de novo, não estou disposto a meter o rabo entre as pernas, dar as costas, deixar barato e ficar por isso mesmo.