terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Plantão da Língua Portuguesa informa:

Vez em quando me deparo com mensagens no correio eletrônico (e-mails, para sucumbir ao barbarismo) contendo expressões com erros diversos que me deixam com uma insuportável coceira nos dedos. Aí não resisto e respondo assim: “Plantão da Língua Portuguesa informa: ...”, aproveitando para defender a língua pátria e sapecando a correção daquilo que eu julgo estar equivocado do ponto de vista ortográfico, gramatical, mesmo sem ter muita autoridade para tal.

Tem umas palavras que são meio espinhosas para a maior parte das pessoas. Na hora que surge a dúvida sobre a grafia correta delas, escolhe-se sempre a forma incorreta. Alguns exemplos são:
- depedrar (incorreta), em vez de depredar (correta) – o pessoal acha que essa ação de espoliar algo tem a ver com jogar pedras e aí não dá outra: tome-lhe “depedrar” (se pensassem em predador, não errariam);
- degladiar (incorreta), em vez de digladiar (correta) – para escrever e falar certo é só ter em mente um duelo de espadas (di = dois; gládio = espada);
- estrupar (incorreta), em vez de estuprar (correta - não do ponto de vista da atitude, mas ortográfico!) – essa eu nem sei o que causa o erro, talvez um desejo inconsciente de estuprar a língua. Se pensarem que é uma atitude estúpida, têm grandes chances de acertar a grafia;
- frustar (incorreta), em vez de frustrar (correta) – provavelmente devem imaginar que seja impossível uma mesma palavra ter dois erres depois de duas consoantes (f e t) ou queiram frustrar os esforços do seu professor de Português (quando se tem a sorte de tê-lo, coitado!).

Isso para não falar em “célebro” (cérebro), “pobrema” (problema),  “padastro” (padrasto), “protistuta” (prostituta), “previlégio” (privilégio), “se esmerilhar” (se esmerar), “débora mental” (débil mental), “aos troncos e barroncos” (aos trancos e barrancos) e por aí vai.

As pessoas também não sabem que existe um substantivo masculino chamado crescendo, que vem do italiano, o qual é muito utilizado em notação musical para designar aumento progressivo de sonoridade e no nosso cotidiano deve ser usado quando se quer referir a progresso, gradação (ex.: o partido vem num crescendo considerável entre os jovens). Aí os nossos Homo pseudosapiens acham que, com a terminação “endo”, essa palavra está destinada a ser exclusivamente o gerúndio do verbo crescer e imediatamente a substituem pelo substantivo/adjetivo “crescente”, que poderia ser como aquele fértil da Mesopotâmia, mas esse seres criativos operam uma mudança de sexo na palavra e a tornam feminina (ex.: o partido vem “numa crescente”...). Minha indignação vai num crescendo que só tem um diminuendo quando o quarto crescente da Lua começa a trazer alguma luz às trevas tão democraticamente distribuídas.

Falando em mudança de sexo, no campo das denominações das doenças houve uma verdadeira epidemia de transexualidade: o dengue virou a dengue; a cólera virou o cólera; mas o mais marcante evento de transformação radical de identidade de gênero se deu com o diabetes: a revista Istoé publicou uma matéria de capa em que chama a doença de "a diabete"!! Pronto. Virou a chacrete do diabo! Era o que nos faltava.

Também não se deve dizer “há alguns anos atrás”, porque, além da possível interpretação de exuberância anatômica dessa expressão quando sonorizada, a palavra “atrás” fica redundante, pois “há alguns anos” quer dizer “faz alguns anos” e não se diz “faz alguns anos atrás”. Então não se deve colocar “atrás” depois dos “anos”, quer dizer, deve-se evitar colocar “atrás” – se é que me faço entender. Mas se alguém quiser insistir em botar “atrás” colado nos “anos”, deve-se tirar o verbo e dizer apenas “alguns anos atrás”... Acho que ficou confuso demais esse negócio: na dúvida, o melhor mesmo é dizer “há algum tempo” ou “faz tempo” ou “tempos atrás” e pronto! Esquece essa coisa de “anos atrás”, que só dá complicação.

Outro dia eu ouvi um apresentador de TV local dar uma cacetada na mesa e dizer que a situação era “lastimoniosa”! Imagino que esse neologismo seja a síntese perfeita da mistura de lastimável com horrorosa. Acho até que deveríamos incorporar essa palavra ao nosso vocabulário cotidiano, pois às vezes as palavras disponíveis falham em traduzir a nossa perplexidade. Esse mesmo “criativo” apresentador disse que a população estava em “pavorosa”! Certamente quis dizer polvorosa (agitação) – a palavra vem de pó, que em castelhano é polvo – mas ele acabou “enriquecendo” o nosso idioma com mais uma pérola que, essa sim, poderia ser denominada de pavorosa.
Quando estiver de volta o horário eleitoral, é bem provável que tornemos a ouvir expressões como: povo do “recôncuvo”; gente de “Cachaceiras” (Cajazeiras); “candidato com forte penetração no baixo clero”; “o Dr. Fulano foi o único médico que só saiu de cima de minha mulher quando ela ficou boa”; e “as pedra desse carçamento fui eu quem pô-las, colocô-las e aterrô-las!” Não estranhem se a transmissão for interrompida por uma interferência dizendo: “Plantão da Língua Portuguesa informa:...” – minha paciência tem limites.

Para ficar com ela (em 15 lições)



Para ficar com ela (em 15 lições)


1 - Se você quiser ficar com ela, aprenda a não gritar quando discutir – ela não gosta muito desse comportamento; ninguém gosta, eu sei, mas quando ela não gosta, acredite, a reversão das leis da física se torna totalmente iminente, quase imperativa, e você poderá ouvir as trombetas do Armagedom soando e presenciar o mundo desmoronar na sua frente em todas as direções.

 

2 - Se você já leu o Apocalipse ou as Centúrias de Nostradamus e não deseja estar vivo para testemunhar nenhuma das cenas catastróficas e aterrorizadoras lá descritas, verá que é totalmente aconselhável, a qualquer custo, evitar fazer algo que a leve a dizer “me aguarde” ou “vamos pra frente”.

 

3 - Se você tem algum conhecimento gramatical e acha que o pronome pessoal “ela” se aplica a todas as coisas e pessoas do gênero feminino, pode ir reformulando o seu conhecimento: em pouco tempo você vai descobrir que “ela” designa e se refere unicamente a ELA. Não por imposição consciente dela, mas pela dimensão que ela tem. Ela fica ali do seu lado em silêncio ou num papo interessantíssimo e tudo conflui para a conclusão de que só existe ela. Os filhos descobrem isso desde cedo e usam o pronome apropriadamente.

 

4 - Se você a ouvir dizer que quer ter seis filhos, creia-me, é sério. Ela nasceu para ser mãe. Você terá que contar com o imponderável para que essa explosão demográfica, da qual você será partícipe e co-provedor, não se concretize. E tem mais: ela falará em gêmeos e outras coisas assustadoras, mas serão todos do sexo masculino nos sonhos e desejos dela. Ela é feminista, mas, como é mais inteligente do que feminista, não quer nenhuma outra mulher por perto competindo com ela. E, ai de você, se olhar para um outro rabo-de-saia! E, ai do rabo-de-saia, se lhe disser algum “oi” mais entusiasmado!

 

5 - Se você deseja manter algum controle sobre seu destino, sentimentos e sanidade mental é imprescindível, absolutamente imprescindível, que jamais aproxime sua mão da pele das coxas dela. Mas, caso esse contato venha a acontecer, aproveite – nenhuma outra sensação táctil que você venha a experimentar será mais prazeirosa.

 

6 - Se você quiser escapar da atração gravitacional equivalente a de um buraco negro poderoso, nunca se permita dar ouvidos aos suspiros e sussurros dela, jamais olhe o lindo rosto que ela ostenta nem toque os lábios dela com os seus. Essa experiência será a sua ruína. Você vai ser tragado inapelavelmente. Não vai ter retorno. Você será reduzido a uma massa cativa disforme e terá o seu coração comprimido a níveis inimagináveis. Mas, incompreensivelmente, você verá que isso é muito bom.

 

7 - Se você quiser lhe dar um presente romântico e significativo da sua afeição, jamais lhe dê rosas ou flores ou vegetais de qualquer espécie, sejam naturais, artificiais ou pictoricamente representados (evitar especialmente o bonsai, porque para ela esse vegetal miniaturizado é algo maligno e demoníaco - não peça explicações lógicas. Conforme-se).  Pra ver os olhos dela cintilarem, lance mão de adornos feitos daquele metal dourado precioso, preferencialmente cravejados de átomos de carbono dispostos num arranjo atômico e molecular especial que os fazem muito duros, transparentes e brilhantes.  Nenhuma flor do Jardim do Éden, nem todos os Jardins de Édens que possam ser concebidos suplantarão o efeito de deslumbramento e satisfação que qualquer jóia fará brotar nos olhos alegremente infantis em se transformam os olhos dela ao abrir a caixinha da joalheria.

8 - Se você quiser se abster de magoá-la ou de arranjar problemas desnecessários para si, evite comprar roupas para ela com o passar dos anos. Suas chances de acertar o tamanho serão sempre infinitesimais – em se tratando de roupas femininas, é impressionante a variedade de grandezas que existem entre o P, o M e o G; e quando a numeração é do tipo 38, 40, 42, 44, etc, as suas chances não melhoram em absolutamente nada. Se comprar roupa de um número menor que o dela, ela se achará gorda e lhe dirá que você não sabe mais o tamanho atual dela e que ficou fixado num manequim de quando ela era pós-adolescente. Se comprar de um tamanho maior (horror dos horrores) ela não só se achará gorda, mas ainda concluirá (com razão) que você a vê mais gorda ainda. Se você, por um acaso remotíssimo, acertar em cheio o tamanho, ela ainda se achará gorda e lhe dirá que você sabe exatamente o quão gorda ela está. You never win! Esqueça roupas, portanto. Pode até arriscar um sapato ou uma bolsa, mas apenas se usar algum estratagema para saber antecipadamente se ela aprova ou deseja aquele modelo. Aliás, melhor esquecer o sapato também, porque o pé dela é lindamente arqueado e não é qualquer sapato que lhe fica confortável. Melhor deixar que ela mesma se encarregue desse item de suprimento quase mensal. Ah, e se não der para fingir uma súbita falta de ar ou um desmaio na eventualidade de ela lhe fazer a inescapável pergunta sobre se você acha que ela está gorda, responda que você tem a impressão que ela emagreceu. E pronto. Se disser que não a acha gorda, ela dirá que você está mentindo para agradá-la; se disser (ai, meu Deus) que ela está cheinha, pode se preparar para reações citadas nos itens 1 e 2 acima.

 

9 - Se você ficar com ela, vai ver que ela vai lhe preparar as mais deliciosas comidinhas que você já provou ou provará. E rápido. Ela cozinha bem e come bem. Aliás, comer para ela não é verbo de sobrevivência - está mais para sentido da vida. Elogie sempre os pratos que ela fizer tão ágil quanto dedicadamente. Dificilmente você aliará tanta satisfação e honestidade simultâneos em outros eventos da sua existência. Beije-a no dorso enquanto ela cozinha, porque não atrapalha em nada, eu acho.

 

10 - Se você quiser ter um mínimo de afinidade artística com ela é recomendável que goste de música.  Da boa música, não desses batuques requebrativos ou funks e raps. Ela saberá todas as letras e músicas do tempo dos afonsinhos. Ela saberá solfejar as mais famosas sinfonias e sonatas e valsas e concertos e tocará algo delas no piano, para seu deleite. É indicado também que você ache a Bossa Nova pretensiosa, ingênua e alienada nas letras e muitas vezes irritante. O mesmo vale para o Jazz. Ela concordará. Aliás, as críticas musicais dela são arrasadoras. Ela lhe acompanhará ouvindo, cantando ou tocando rock e será tomada pela batida, sacudindo mais a cabeça e a parte superior do corpo ao acompanhar o ritmo desse tipo de música. E ela também fará coro com você se você começar a cantar qualquer música dos Beatles; e esse coro se dará, no mais das vezes, com ela fazendo a segunda voz e é bom que você saiba se manter cantando a melodia na primeira voz, para que a harmonia saia perfeita. Ela canta muito. Muito bem. Nunca desafina. Ela tem ouvido quase absoluto. Ela é música em estado quântico.

 

11 - Se quiser conviver apropriadamente com ela, acostume-se com os medos que ela preserva. Não zombe deles. Ela tem medo de água, qualquer água, portanto até cruzar pontes é fonte de angústia para ela. Evite travessias pelo Ferry Boat. Cruzeiro marítimo, nem pensar. Uma gôndola pode ser uma exceção. Proteja-a com um abraço envolvente na eventualidade de soar um ameaçador e mortal trovão, ou seja, qualquer trovoadazinha. Poste-se, interponha-se heroicamente e de imediato no caminho que qualquer coisa viva ou inanimada que entre voando em sua casa. A calamidade das calamidades para ela é a barata voadora (e também a rastejante). Sua atitude máscula, destemida e exterminadora de insetos desorientados e inoportunos a acalmará um pouco nesses momentos, mas nunca abolirá o medo dela. Não se ofenda nem se sinta diminuído com isso. Use a crise como oportunidade de demonstrar uma das suas poucas reais utilidades na vida dela.

 

12 - Se você não quiser ter confrontos religiosos com ela, é bom saber que ela é católica. É um tipo diferente de católica, para quem a Santíssima Trindade é composta, mais ou menos em ordem variável de importância, por São Francisco de Assis, pelo Papa e por Jesus. Um segundo escalão de devoção é formado por Santo Antonio e pelas Nossas Senhoras de todas as denominações. Deus, para ela, é algo meio distante e inacessível - mais uma ideia assustadora e remota do que necessariamente um ser supremo acolhedor. Ela está bastante confortável com essa concepção teológica tão particular - os deuses dela são ou foram pessoas de carne e osso. Por isso, nunca tente questionar, desmerecer, desafiar ou menosprezar a Santíssima Trindade dela, as divindades e santidades de todos os escalões ou a instituição que as abriga. Evite, na medida do impossível, tentar entender o que difere isso do politeísmo – nem mencione essa possibilidade interpretativa. Se isso, inadvertidamente, acontecer, você terá seu intelecto e reputação como Homo sapiens arrasados. Sem falar nas consequências imediatas e remotas no seu cotidiano. Lembre-se sempre do “me aguarde”.

 

13 - Se você é muito exigente com controle orçamentário, planejamento e racionalização de despesas, gastos no cartão de crédito, uso do limite de crédito no banco, você está no caminho certo – vai ter que fazer isso por sua própria conta e com a sua própria parte dos recursos comuns ao casal. Ela não é Maria da Conceição Tavares nem conselheira econômica do Fantástico. Ela deverá ter a liberdade de fazer tudo aquilo que você julga economicamente temerário. Para ela o céu é o limite e você terá que lhe oferecer o céu. Sem estresse, então.

 

14 - Se você quiser viajar para conhecer o mundo com ela, pode ir arrumando a bagagem. Ela topa ir para qualquer lugar com você, desde que seja para a Itália. Nesse “qualquer lugar” também não estão incluídos ou estão liminarmente excluídos os paraísos tropicais, redutos naturais e trilhas ecológicas, claro (ela odeia mato, bicho, mar, sol - “a bola de fogo”, Natureza, essas coisas hostis; ela gosta é de concreto e de ruínas romanas, gregas e etruscas). Paris, Londres, Madri, Berlim serão perfeitamente suportados por ela, desde que o itinerário inclua a Itália em algum momento. Não se assuste se a avaliação dos países e cidades não italianos for mais negativa do que mereceriam ou se o humor dela não se mostrar tão bom durante a estadia nesses locais. Quando a imagem da paisagem italiana surgir e a primeira palavra nesse idioma for pronunciada por um cameriere num restaurante qualquer, você verá brilhar o sol da Toscana na sorridente face dela, seja dia, seja noite. Qualquer comida italiana elevará o humor dela, seja no cardápio, no prato, no garfo ou na memória. Beba com ela o vinho da casa ou um Chianti e desfrute dos melhores momentos que os seus cigarros podem proporcionar. E não se esqueça nunca dos minutos de êxtase que transparecem do rosto dela ao degustar o tiramisu do Il Bargello, em Florença. Repetir essa experiência é uma necessidade à qual você desejará se submeter repetidas vezes ao longo dos anos em que estiver ao lado dela. Mas lembre-se que o Il Bargello costuma ficar fechado no mês de Fevereiro, logo... Visitas a Roma e Veneza a qualquer tempo podem suprir razoavelmente a falta desse tiramisu. Mas prepare-se para percorrer detalhadamente todas as igrejas e templos construídos nesses locais desde que os etruscos começaram a empilhar pedregulhos. Dê-se por satisfeito de ser liberado da penitência de subir a Scalinata Santa de joelhos e, ao vê-la genuflexa e contrita vencendo os degraus um a um, resista ao desejo herético de tomá-la nos braços e conduzi-la escada acima. Mas fique de joelhos pelo menos no Vaticano e agradeça por ela estar ali ao seu lado.

 

15 - Se você quiser ter uma companheira fiel, maternal, amorosa, culta, politizada, entendedora de futebol entre muitos outros esportes, inteligentíssima, sensual, lindíssima e ficar casado com ela por trinta anos e mais trinta e mais trinta, não seja burro: ame-a sempre, deixe ela e não a deixe jamais!



Eu tenho feito isso, mas ainda não sei se é o bastante.




Salvador, 27 de setembro de 2010.