quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Política das Ruas

POLÍTICA DAS RUAS

Tenho feito o possível para me abster do horário político na TV e no rádio. Tenho até conseguido ficar imune aos programas televisivos, mas no rádio há umas inserções imprevisíveis, que felizmente são rápidas e passíveis de alheamento (menos quando o partido não se dá ao trabalho de gravar qualquer mensagem para ocupar o horário gratuito e aí fica uma mensagem padrão chata repetindo “horário reservado ao partido tal, inserção tal, bloco tal, duração x segundos...”).

Entretanto meus esforços de me transformar num desinformado político se mostram totalmente inúteis quando se trata de caminhar prosaicamente na rua. A profusão de cartazes, tripés, cavaletes, tem-se mostrado muito eficaz na tarefa de atrair a atenção de quem, como eu, é ingênuo o bastante para achar que pode se alienar desse rico momento cívico que ora atravessamos.

O verbo “atravessar”, aliás, quando usado para se referir à circulação em passeios e canteiros, vem tendo sua conjugação continuamente dificultada pela presença física dos citados artefatos propagandísticos.

Porém devo confessar que o meu cachorro adora os cavaletes. E numa impressionante demonstração de independência, apartidarismo e tratamento equânime às diversas correntes, coligações e propostas, tem dado especial predileção a esses cartazes na hora de demarcar o território com sua urina, esquecendo-se completamente das árvores e postes. Para ser fiel à verdade, percebo que ele faz um esforço adicional para acertar o jato urinário na boca com sorriso plastificado de alguns candidatos. Infelizmente o esforço resulta debalde por conta da sua reduzida estatura. Mas ele não dá mostras de esmorecimento. Repete o ato seguidamente até a quase expulsão da bexiga. Acho que essa é a sua forma de participação política; além de uma provável crítica, não muito velada, ao meu comportamento esquivo frente a essa festa democrática.

Mesmo já estando anestesiado para as alianças políticas esdrúxulas e impensáveis há poucos anos e para os previsíveis slogans de campanha, de vez em quando me deparo com algumas imagens e/ou frases nesses cartazes que ficam pulsando circularmente em meu cérebro, como aquele refrão de música grudenta, deixando-o ainda mais confuso que o habitual.

Pois então acompanhem meu aturdimento e me ajudem a decifrar o enigma que me foi proposto hoje num cavalete: os candidatos Márcio Marinho e Pastor José de Arimatéia compartilham o slogan “O povo em primeiro lugar”!!! 

Fiquei bege, como dizem alguns personagens televisivos. O que eles querem dizer com isso? Que amplitude é essa? De que povo estão falando? Os autóctones, os estrangeiros, os apátridas? Tá todo o mundo incluído? O homem do povo, o povão, o zé povinho? Mesmo os que não votam neles, os que não acreditam no mesmo que eles, os que têm mais ou menos dinheiro que eles, os que roubam ou matam ou abortam mais que eles, os que bebem mais que eles, se drogam mais que eles, trepam mais que eles? O povo de Deus e o povo do Capeta?  O que vem em segundo lugar: a Natureza, os animais, os vegetais, os minerais, os corpos celestes, os bens imateriais, os 4 elementos, o inconsciente coletivo, os telefones celulares, o petróleo do pré-sal?

A política da rua me deixou em crise. Vou me trancar em casa doravante.

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