No início da década de 1970 eu costumava assistir
aos filmes do recém-criado “Corujão da Madrugada”. Num desses filmes, cujo nome
não gravei na época e que abordava uma história de amor infanto-juvenil, eu
ouvi uma música linda, e que ficou gravada em minha mente apenas pela palavra
“Melody”, nome da menina protagonista, que era repetido no refrão.
Fiquei intrigado para descobrir que música era
aquela - não consegui ver os créditos. Pareceu-me soar como os Beatles, mas
achei improvável eu nunca tê-la ouvido antes. Nenhuma pessoa amiga a quem
perguntei pela música, citando as poucas características que tinha preservado
na memória, a conhecia nem tinha meios de me ajudar. Lembro de ter imaginado
que num futuro de ficção científica deveria haver recursos pra que a gente
pudesse fazer uma busca, fosse com dados do filme ou assobiando ou solfejando a
música e aí aparecendo o resultado por mágica na nossa frente.
O fato é que acabei por redescobrir (ou
descobrir) quem cantava essa música, pouco mais de 10 anos depois, num dia de
sábado pela manhã em que estava de plantão no Hospital do Tórax (atualmente
Hospital Santo Amaro), e alguém na vizinhança do Cemitério do Campo Santo
estava ouvindo um LP com sucessos dos Bee Gees, quando de repente o ar se
encheu com os acordes e vozes da dita música. Foi um verdadeiro achado. Cheguei
em casa exultante e disse pra minha mulher que tinha descoberto quem cantava a
música que ela, assim como eu, tinha ouvido uma vez e achado que era som dos
Beatles. Nós já tínhamos um álbum duplo de Greatest Hits dos Bee Gees, mas,
obviamente, essa música não estava lá.
Aí parti para uma busca desenfreada nas casas de
discos e nas seções de música da Mesbla, Sandiz e Paes Mendonça. Como eu não
sabia o título da música, a estratégia era pegar o disco, levar pra vitrola da
loja, colocar os fones e ir passando faixa por faixa aquelas cujos títulos não
me eram familiares. Foi uma mineração árdua e infrutífera por um bom tempo.
Apenas quando os CDs chegaram ao
mercado foi que finalmente encontrei a gema preciosa. Numa coletânea com nem
tão grandes sucessos dos Bee Gees, lá estava ela: Melody Fair! A última faixa
do CD. Ufa! Finalmente! Levei meu troféu pra casa e toquei Melody Fair numa
quantidade de repetições de causar o mesmo efeito ocorrido com o gato de João
Gilberto (quem não souber da história, informe-se). Tentei tirar a letra
completa, mas ficaram umas lacunas. Só tempos depois fui descobrir que o filme,
de 1971, se chamava “Melody” e recebeu no Brasil o título de “Quando brota o
amor”.
Todas essas lembranças me ocorreram
agora, quando acabo de ver um filme em que no final tocou um blues que achei
interessante e automaticamente peguei o celular, abri o aplicativo Shazam e
imediatamente a música foi localizada, identificada e disponibilizada para eu
ouvir e baixar se quisesse. Aquilo que eu um dia imaginei só ser possível na
ficção, agora faz parte das possibilidades de maneira natural. Não há alardes,
espantos nem admirações para esse feito tecnológico. Mas, pra mim, o Shazam é o
melhor e mais inacreditável aplicativo disponível no mundo real, virtual,
ficcional e afetivo. Minhas congratulações a quem criou. Só acho que podia se
chamar Melody!
Atualização: o Google passou a disponibilizar uma função de localizar músicas, na qual você só precisa solfejar a melodia com um lá-lá-lá (até desentoado) para que apareçam os links/arquivos onde essa possível música pode ser encontrada. Um avanço e tanto. Eu me sinto privilegiado por ainda estar vivo e testemunhar esses feitos. Mas ainda aguardo que os programas de Inteligência Artificial componham uma música que preste. :)