Lá nos remotos anos 60, na ainda mais remota Nazareth City ou Nazaré das
 Farinhas ou apenas Nazaré (para os nativos como eu e para a Geografia),
 os domingos me apresentavam de quando em vez o temível "almoço de fato" (ou fatada)  - preparação culinária desenvolvida (suponho) para competir com o gás 
mostarda na I Guerra Mundial visando ao extermínio de exércitos inteiros
 na primeira garfada ou nas poucas subsequentes. 
A composição dessa temerária comida se constitui primordialmente de 
porções de todos os órgãos e tecidos presentes na cavidade abdominal 
bovina, incluindo aquelas esquisitices estomacais do ruminante que 
comportam até algo chamado “livro”, mais umas carnezinhas.  Tudo isso e 
mais temperos e condimentos diversos iam para a panela a fim de gerar um
 odor nauseabundo de vômito e golfadas em conserva, que circulava por 
toda a casa e, imagino, pelas redondezas, impregnando a mucosa olfatória
 de maneira tão persistente que se ameaçava perene. Ao fim do cozimento,
 as porções sólidas da coisa eram segregadas; com o que ficava na panela
 estava gerado um aterrorizante caldo, que devia conter toda a gordura 
prevista para um ser humano ingerir durante sua completa existência. A 
esse caldo era adicionada generosa e gradativa quantidade de farinha de 
mandioca para gerar o imprescindível pirão, o qual já trazia em si a 
fórmula dos adesivos mais potentes, pois ia se recusando firmemente a se
 desprender da colher de pau, exigindo determinação e autoridade de quem
 cozinhava para fazer sua remoção entre recipientes quando atingia o 
ponto de preparo ou ponto gatilho.
A gororoba pastosa era colocada sobre a mesa, ao lado (ou mesmo 
distante) das partes sólidas ou quase isso. Uns salivavam enquanto 
outros se benziam ou se persignavam (meu caso). Havia quem colocasse 
molho (de pimenta) no pirão para aumentar seu efeito devastador. A ingestão era 
acompanhada da sensação de deglutição incompleta, pois o pirão (não 
surpreendentemente) insistia em ficar grudado no palato. Os fatos propriamente ditos iam sendo, na medida do possível, mastigados e lançados diretamente da boca ao piloro, para indicar a trajetória e o sentido a ser seguido.
O meu temor e repugnância pela iguaria eram reforçados pelas histórias, 
contadas bem nessa hora do almoço, dos infelizes destinos de comensais 
que, após o consumo desse prato, experimentaram imediata indigestão,  
congestão, derrames, paralisias, catatonias, estupores, só por se terem
envolvido pós-prandialmente em atividade muscular outra que não apenas 
os movimentos respiratórios (cautelosos). 
Não deve ser por outra razão, meus caros, que desenvolvi aversão ao domínio do fato.
24/05/2016

 
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