Eu levei um tempo da
minha vida fazendo cherry-picking
(escolha seletiva) em relação a possíveis evidências da existência do Deus
bíblico.
Depois fui colher as
frutas podres lá nas Escrituras e me permiti ver que todo o conjunto, de cabo a
rabo, era obra humana, apenas humana, gritantemente humana.
A seguir abdiquei também da ideia de um deus criador, porque teria que imputar a ele o câncer ósseo infantil (só para ilustrar) - esse argumento não é originalmente meu. Sem contar os inúmeros vírus e outros microrganismos que acometem crianças e lhes causam imensos sofrimentos e sequelas (paralisia infantil, por exemplo). Face a tais exemplos, concluí que não podia levar adiante um sistema de crença em um ser superior criador com tal nível de canalhice. Convenhamos que ser superior canalha é uma contradição de termos, um oxímoro. A ideia do deus criador também traz a questão da necessidade de haver uma anterioridade e causalidade desse criador, ou seja, um criador do criador e toda essa sequência retrógrada teria que ter uma complexidade crescente. Explicando: um ser que cria o Universo (com maiúscula), este que é o único que conhecemos por enquanto, tem que ser necessariamente mais complexo que a sua criação e tem que ter sido criado por outra "entidade" criadora ainda mais complexa. Mas aí, os defensores do criacionismo lhe jogam na cara o argumento de esse deus - por que não deuses? Por que não o politeísmo (uma divisão de tarefas)?) - SEMPRE existiu! Ora, isso não é argumento sério: é um Deus ex machina!
Estou bem melhor sem deuses,
sem alma, sem céu ou inferno, sem vida eterna, sem divino, sem destino. Saber objetivamente
que o que tenho à disposição, na trajetória do universo até o seu colapso, se
apresenta sob a forma da minha existência e atos nesse período de tempo entre
meu nascimento e morte (e nada mais), faz a vida se tornar bem mais preciosa. Tudo
se passará aqui nesse palco. Não tenho que remeter nada a planos imaginários post mortem. Ficarão aí, quando eu
morrer, meus genes diluídos na minha descendência, meus escritos, árvores que
plantei, outros tênues registros e referências... Depois de algum tempo já não
serão mais vistos ou evocados. E terá sido isso. Nenhum propósito especial.
Nenhuma missão. Nada além de um elo nas correntes da vida. Correntes que se
estendem e se ramificam aleatoriamente sem rumo e sem nenhuma pretensão além de
apenas ser e ser e ser e fim.
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O pior, o mais
patológico das religiões organizadas é endeusar a fé, instigar e elogiar o crer
sem prova, aceitar como verdadeiro algo para o qual não há evidências, sob o argumento da autoridade de religiosos.
Significa abolir o raciocínio, o pensamento crítico, não fazer uso das
ferramentas que nossa espécie desenvolveu evolutivamente, porque isso coloca em
risco o poder do pajé e a credibilidade da pajelança. A fé é a aceitação
acrítica do pensamento mágico, a inclinação cognitiva para o pensamento
ilusório (wishful thinking).
As religiões tratam
espertamente de se blindar quando censuram e praticamente criminalizam a situação
de ter seus dogmas ameaçados por uma fé cambaleante ou pela falta de fé. Além
disso, criam outros “crimes” capitais como a blasfêmia, heresia, etc, que se
tornam alvo de punições sociais imediatas (anátemas, excomunhões, opróbios) ou
maldições que deverão se cumprir num pós-vida, nesse caso lançando mão da
necessária invenção de demônios e inferno.
A fé é uma disposição mental escandalosa. O seu estímulo deveria ser denunciado como assédio intelectual, como insulto, e sua adoção deveria ser desencorajada e abolida nas futuras gerações desde a mais tenra infância.
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