domingo, 7 de outubro de 2007

Sem palavras

Sem Palavras

 

Sempre fui chegado a sinônimos. No tempo do ginásio, passava tardes inteiras em casa lendo dicionários, só para me divertir. Por conta dessa fixação, há alguns anos fui colocado diante de uma das situações mais constrangedoras que já pude experimentar.

 

Após receber a notícia do falecimento, do passamento, do óbito, do êxito letal, da batida de caçuleta, da morte mesmo, da avó de um amigo de infância, senti-me na obrigação social, moral e protocolar de comparecer ao enterro, ao féretro, às exéquias, da dita cuja, a qual eu nem mesmo sabia se era mãe da mãe ou do pai do meu amigo.

 

Ao chegar ao cemitério, ao campo santo, à necrópole, deparei-me com uma fila quase indiana de mulheres que eu sabia vagamente serem parentes em graus variáveis da nonagenária defunta, que ali jazia pacificamente no caixão, no esquife, no ataúde, na urna funerária.

 

A experiência já me havia demonstrado que a melhor atitude nessas situações era aproximar-se das pessoas mais chegadas à pessoa falecida e, sem dizer qualquer palavra, dar um abraço sentido com uns leves tapinhas nas costas, seguido de um olhar compungido (nas mulheres) e uma firme sacudidela nos ombros, com um olhar de “segura firme aí, meu irmão” (nos homens). Isso sempre mostrou a eficácia requerida para os meus propósitos nesses delicados momentos e nunca me colocou em apuros.

 

Mas não foi o que aconteceu nesse fatídico dia que estou mencionando aqui. A mania da sinonímia reapareceu das catacumbas da minha mente e comecei a acrescentar frases ao ritual dos abraços que estava dando no mulherio perfilado. E lá fui eu soltando “meus pêsames” pra uma, “minhas condolências” pra outra, “meus sentimentos”, “aceite minha compaixão”, “meu pesar”, quando, de repente, me vi desprovido de mais sinônimos ainda não verbalizados que pudessem ser ditos às restantes moçoilas carpideiras.

 

Não sei por que diabos nem me passou pela cabeça repetir as expressões que já havia dito anteriormente. Tornou-se uma questão de honra achar uma manifestação de pesar original. Como nada aflorou à minha mente, um sentimento de pânico se apossou de mim enquanto concluía a série de tapinhas nas costas da senhorita da vez. Foi aí que as minhas cordas vocais, no auge do desespero e da urgência,  pronunciaram “meus parabéns”!

 

O olhar atônito da pessoa a quem dirigi essas palavras não poderia ser um amplificador melhor para o meu constrangimento. Tentei desesperada e inutilmente procurar alguma palavra que rimasse com “parabéns” para falar em seguida e confundir a minha embasbacada interlocutora, na tentativa de remediar a situação, mas nem de “amém” eu lembrei na hora (também nem sei se amém iria funcionar).

 

Dei as costas de maneira furtiva e saí andando lentamente pelo cemitério, ainda tentando achar um meio de justificar o injustificável. Eu estava cabisbaixo, envergonhado, acabrunhado; e pálido, lívido, céreo. Era um fantasma vagando, à procura de um túmulo, uma tumba, uma campa, um buraco para me enterrar.

 

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